Congresso da ADLAF 2016
de 23.06.2016 a 25.06.2016
Fundação Friedrich-Ebert, Berlim
Nos últimos anos, a América Latina tem sido amplamente vista pelo público da mídia alemã. Como o referendo sobre a saída do Reino Unido da UE (“Brexit”) dominou as manchetes locais em 23 de junho de 2016, a assinatura do acordo de cessar-fogo na Colômbia inicialmente permaneceu uma nota lateral. Em Berlim, na noite de 23 de junho de 2016, José Pepe Mujica, senador e ex-presidente do Uruguai, apareceu como convidado de honra na cerimônia de abertura da conferência “Violencia y Desigualdade” (Violência e Desigualdade). A conferência da Associação Alemã de Pesquisa Latino-Americana (ADLAF), organizada pela Friedrich-Ebert-Stiftung, abordou a violência e a desigualdade como dois problemas que, apesar das grandes diferenças intrarregionais, estão entre os desafios centro-americanos do século XXI.
José Pepe Mujica é considerado um dos poucos presidentes que não apenas defende um estilo político de esquerda consistente, mas que tem credibilidade, em particular, por causa de seu estilo de vida realista. Em sua contribuição, ele também criticou os excessos da “civilização do lixo” e perguntou como é possível que haja pessoas que paguem 10.000 dólares por três quartos de litro de vinho. Suas observações foram um forte apelo para que os problemas atuais fossem considerados no contexto histórico das “veias abertas da América Latina”. A desigualdade social e a concentração de riqueza são problemas endêmicos em uma região que, mesmo no século 21, vende principalmente bens primários. Como um desenvolvimento ameaçador do passado recente, ele identificou, em particular, o desenvolvimento do tráfico de drogas, que está associado a uma brutalização até então desconhecida. Ao mesmo tempo, Mujica também deixou claro para 500 ouvintes que o pré-requisito para a possibilidade de mudar as circunstâncias está nas próprias ações. E é essa atitude filosófica que faz do ex-guerrilheiro, prisioneiro de longa data, floricultor e presidente uma figura de culto.
A questão do que a violência e a desigualdade atuais têm a ver com o passado também foi o início da discussão em 24.6. A primeira seção explorou aspectos da persistência e mudança na violência e na desigualdade em vários contextos locais.
JEFFERSON JARAMILLO MARÍN (Bogotá) tratou da reavaliação historiográfica institucionalizada da violência colombiana, que já produziu uma enxurrada de publicações refletindo vários pontos-chave dos discursos hegemônicos mesmo antes do fim do conflito armado.
SILKE HENSEL e STEFAN RUDERER (Münster) analisaram o papel dos atos de violência e sua legitimidade na construção do estado da Argentina e do México para mostrar como o colapso do Império Espanhol estava ligado a diferentes lutas pela independência e padrões de legitimidade.
HANNES WARNECKE-BERGER (Leipzig) se concentrou nas continuidades e mudanças da violência na América Central e no Caribe. Usando os exemplos de El Salvador e da Jamaica, o desenvolvimento histórico de práticas violentas foi discutido e proposto para analisar as estruturas horizontais e verticais de poder nas quais atores violentos interagem com atores.
Como o exame da cultura da lembrança e da política do passado tem sido um assunto central de pesquisa na e sobre a América Latina há algum tempo, as contribuições da segunda seção trataram da memória coletiva da violência em massa passada (e presente), ditaduras e guerras civis.
ELISABETH BUNSELMEYER (Hamburgo) discutiu os efeitos locais da Comissão da Verdade e Reconciliação e do programa de compensação no Perú. Ela questionou se esses eram mecanismos adequados para reduzir a desigualdade social e para a reconciliação, porque em muitos contextos locais, a prática de compensação aumentou a insatisfação, a inveja e o ressentimento.
ROSARIO FIGARI LAYÚS (Marburg) aborda a questão de como a violência sexual e a desigualdade de gênero são tratadas no contexto de comissões da verdade, processos de reparação e processos judiciais. Com base nos casos da Argentina, Guatemala, Perú e Colômbia, ela investigou o desenvolvimento e as lacunas no processamento sensível ao gênero no âmbito dos processos de aprendizagem transnacional.
ANNE HUFFSCHMID (Berlim) abordou a contribuição da antropologia forense para a justiça transicional no México e na Argentina. O desaparecimento forçado de pessoas é uma tática comum usada por governos e organizações criminosas na América Latina. Anne Huffschmid argumenta que isso exclui as vítimas do mundo social e as priva de seu status de seres humanos. A antropologia forense restaura esse status devolvendo às vítimas suas identidades.
Seguindo o que ele vê como o boom predominante na cultura da lembrança, STEFAN PETERS (Kassel) se concentrou na tensão entre desigualdade social, memória e esquecimento. Ao fazer isso, ele investigou a questão de quem é ouvido nos processos de memória, cujas memórias e vozes são silenciadas e como estas últimas podem ser levadas em consideração na pesquisa acadêmica usando uma abordagem interseccional.
As contribuições da terceira seção giraram em torno da questão de como situações problemáticas, práticas sociais e opções de ação diferem em diferentes áreas geográficas e sociais.
ANA FANI ALESSANDRI CARLOS (São Paulo) criticou a ligação discursiva dominante entre crime e violência e chamou a atenção para a contradição entre a banalização da violência pela mídia e uma cultura simultânea de medo e isolamento social. Ela também discutiu o desenvolvimento da violência no contexto da concentração de riqueza, da destruição de empregos e do desmantelamento das estruturas do estado de bem-estar social.
JOHANNA HÖHL (Heidelberg) abordou o “conflito mapuche” no contexto da luta por recursos naturais e territórios em Araucanía (Chile). Ao fazer isso, ela esclareceu as conexões entre os vários atores (população mapuche, estado chileno, empresários, agricultores e cidadãos) e seus interesses nos níveis local, regional, nacional e global.
JOSÉ LUIZ RATTON (RECIFE) se concentrou no mercado de crack em seu artigo sobre o mercado de drogas em Recife (Brasil), pois ele tem um nível excepcionalmente alto de violência e desigualdade. Não é apenas o contexto socioeconômico dos consumidores que deve ser levado em consideração aqui, mas também a relação específica entre pequenos e grandes revendedores e a presença de uma força policial corrupta.
DOMINIK HAUBRICH e RAINER WEHRHAHN (Kiel) analisaram as práticas urbanas cotidianas de vigilância da classe média nos distritos de Jabaquara e Butantã (São Paulo, Brasil) a partir de uma perspectiva teórico-prática. Mostra como as práticas de interação, prevenção e controle, em particular, estão ligadas à percepção da violência e da incerteza.
SONJA WOLF (Cidade do México) falou sobre o desenvolvimento de Maras Salvatrucha e Barrio 18 em El Salvador e abordou a influência das gangues de rua nas escolas públicas, que criam uma atmosfera de medo e levam a mais problemas sociais.
HEIDRUN ZINECKER (Leipzig) também analisou as Maras e considerou a dimensão translocal das Maras da América Central e do Norte, que agora também se espalharam pela América do Sul e Europa. Em sua apresentação, ela se concentrou na produção de espaço por meio da violência: enquanto o espaço “externo” e visível dos Maras é translocalmente abrangido, um espaço “interno” para os Maras desempenha um papel importante na percepção de proteção, lar e pertencimento.
A quarta seção foi dedicada ao processamento performativo e à representação da desigualdade e da violência e discutiu práticas de encenação, performance e percepção.
Em sua apresentação, MÁRCIO SELIGMANN-SILVA (Campinas) se concentrou na poética especial de artistas latino-americanos selecionados das últimas décadas. Ele se concentrou em particular na relação entre as formas artísticas de expressão e as formas de violência que elas representam, bem como na importância da arte como pioneira na reapropriação do poder.
GÜNTHER MAIHOLD (Berlim) apresentou dois santos folclóricos mexicanos não reconhecidos pela Igreja Católica — La Santa Muerte e Jesús Malverde — e explicou a disseminação da veneração através das fronteiras nacionais no contexto de redes criminosas e ilegalidade. Apesar da proximidade com a delinquência, ele pediu uma interpretação de ambos os santos populares como instrumentos de superação (simbólica) da desigualdade social, já que cada pessoa é tratada igualmente pelos personagens e recebe proteção em troca de veneração e orações.
MARCELA SUÁREZ ESTRADA (Berlim) se concentrou no coletivo feminista Rexiste no México como uma forma de protesto social digital. Ela enfatizou que a disseminação das redes sociais criaria novas formas de protesto e movimentos sociais. Como exemplo, ela citou um drone da Rexiste, “la droncita”, que foi usado pelo coletivo para filmar suas ações de protesto e distribuí-las como vídeos nas redes sociais.
RAINA ZIMMERING (Bogotá) investigou o significado e o conteúdo das pinturas murais zapatistas no México e suas mudanças ao longo do tempo. Os murais são elementos centrais da resistência pacífica e das estratégias associadas ao discurso público e livre de regras e à visualização de modelos alternativos de sociedade.
A apresentação de REBECCA WEBER (Siegen) enfocou a situação das mulheres chilenas com base nas obras literárias “Vaca sagrada” (1991), “Mano de Obra” (2002) e “Fuerzas especiales” (2013) de Diamela Eltit. Ela chegou à conclusão de que o corpo feminino — conforme retratado nessas obras — ainda é determinado por seu gênero e que a situação social e econômica das mulheres solteiras continua extremamente precária.
A quinta seção se concentrou na questão de como o estado lida com a violência e a incerteza no contexto da desigualdade social.
MARLON HERNÁNDEZ-ANZORA (El Salvador) abordou a resposta do estado salvadorenho ao fenômeno Maras e delineou seis fases da ação estatal. Suas observações se concentraram nas consequências da estratégia de negociação menos transparente (2012-2014) e da atual estratégia militar antiterrorista. Neste contexto, as implicações da situação para o Estado de Direito, a democracia e a paz em El Salvador foram refletidas.
ANGELIKA RETTBERG (Bogotá) apresentou uma visão geral dos resultados das negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC desde 2012. Ela discutiu os interesses das partes envolvidas e concluiu que os próximos anos serão fundamentais para uma paz duradoura, já que novos e antigos atores devem concordar dentro de estruturas jurídicas e institucionais novas e antigas em um contexto de recursos limitados.
SÖREN WEISSERMEHL (Kiel) discutiu o conflito sobre o projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte (Brasil). Com base na ideia de expropriação desenvolvida por Butler & Athanasiou, ele se concentrou na violência psicológica contra as pessoas afetadas, que tiveram que deixar suas casas devido às inundações e, portanto, também tiveram que abrir mão de seus meios de subsistência.
Na rodada final, moderada por DETLEF NOLTE, com Jefferson Jaramillo Marín, Ana Fani Alessandri Carlos, Márcio Seligmann-Silva e Marlon Hernández Azora, a discussão sobre o nexo entre violência e incerteza — graças em parte a algumas intervenções do público — ganhou força mais uma vez. A questão da continuidade histórica e da relação entre opulência e miséria foi abordada, bem como a lógica do consumismo. Em particular, o próprio conceito de violência foi negociado no contexto de um amplo espectro de violência emancipatória, legítima, ilegítima, inegociável, criminosa, visível, invisível, física e simbólica. Ficou claro aqui que toda crítica à violência está ligada a uma ideia específica do caráter da violência. Neste contexto, a distinção entre violência e desigualdade estabelecida no título da conferência também foi questionada e apontada, no espírito de Galtung, de que toda desigualdade era violência. Que conclusões práticas podem ser tiradas para a paz e o convívio? Na rodada final, uma ampla gama de tópicos — tributação, modelos de desenvolvimento, espaços sociais, política de drogas, cultura democrática — foram abordados, deixando claro que este não é um debate sobre os principais desafios dos dias atuais que deve ser conduzido na torre de marfim acadêmica.
Um curto Resumo do vídeo O discurso de José Mujica (oito minutos de duração) é em espanhol (https://youtu.be/stVynGV9cCo) e com legendas em alemão (https://youtu.be/BH5zShVacwU) — e também uma versão em vídeo de uma hora em espanhol (https://youtu.be/dwqCVKbaUPo).