Congresso da ADLAF 2018
de 7 a 9 de junho de 2018
Fundação Konrad Adenauer, Academia da Fundação Konrad Adenauer, Tiergartenstraße 35, Berlim
Como estudantes da Philipps University Marburg (Estudos de Desenvolvimento Internacional, Pesquisa sobre Paz e Conflitos, Estudos Religiosos Comparados/Teologia), participamos da conferência. Nosso grupo era muito heterogêneo, pois nosso interesse pelo futebol (de “muito” a “nada”) variava, assim como nossas origens disciplinares e nossos laços com a América Latina. Apesar desses diferentes interesses, todos nós consideramos os diversos tópicos abordados pela conferência enriquecedores. Várias discussões estavam presentes: tanto os efeitos do futebol como um evento global que cria culturas e identidades de torcedores, quanto as dimensões monetária, política e relacionada ao gênero. Em particular, os protestos no Brasil contra os gastos horrendos da Copa do Mundo de 2014 foram discutidos nesse contexto. O objetivo da conferência foi mostrar a estreita ligação entre os desenvolvimentos sociais e políticos e o fenômeno do futebol. Um público muito misto foi convidado a participar das discussões: vários cientistas, mas também atletas e cineastas, apresentaram suas contribuições em nove rodadas de discussão diferentes. A maioria dos palestrantes esteve presente durante toda a sessão e enriqueceu a reunião com muitas perguntas, comentários e objeções (críticas).
O relatório a seguir tem como objetivo fornecer uma visão sobre nossas experiências e, portanto, não é necessariamente cronológico. Nós nos concentramos nas apresentações e palestrantes que achamos mais impressionantes e, portanto, não poderemos fazer justiça a todos os participantes.
A conferência começou com o Workshop de Jovens Talentos da ADLAF, que deu a jovens pesquisadores (estudantes de mestrado e doutorado) a oportunidade de apresentar seus projetos na forma de uma breve apresentação e uma exposição de pôsteres, que foram então comentados por especialistas no assunto. Foram abordados tópicos da América Latina que não se limitaram ao futebol: eles variaram de atores da igreja em Cuba ao extrativismo, ao conhecimento de medicamentos indígenas à migração sul-sul para o México. Para nós, este foi um evento inspirador porque deu uma boa visão sobre uma grande variedade de tópicos e seu estado de pesquisa na América Latina, bem como sobre diferentes abordagens metodológicas na pesquisa desses tópicos. Uma aluna do nosso grupo também apresentou o tópico de sua tese de mestrado sobre Cuba lá. Separado do futebol, o evento foi, em geral, um início bem-sucedido da conferência com foco na América Latina.
A mesa redonda de abertura se concentrou nos desafios sociais e no poder positivo do futebol, e muitos tópicos diferentes foram abordados por uma seleção impressionante de palestrantes (veja o relatório da KAS). Muitos de nós, portanto, o consideramos o ponto alto da conferência.
A questão era que o futebol era frequentemente associado a um forte sentimento de pertencimento e “jogo em equipe”, o que era percebido de forma muito positiva à primeira vista. Em contraste, uma das participantes, Aline Pellegrino, também abordou os efeitos da dominância masculina. No Brasil, as mulheres foram proibidas de jogar futebol por muito tempo e o esporte era destinado apenas aos homens de várias maneiras. Ela apelou à igualdade entre as mulheres e que o foco sempre esteja nas pessoas e em seu desenvolvimento, mas não nos modelos de gênero atribuídos. O fato de a posição de jogadoras de futebol brasileiras bem-sucedidas continuar sendo muito difícil mostra que a discussão sobre igualdade no futebol não deve ser negligenciada. Pellegrino também deixou claro que essa disputa não era sobre “os problemas das mulheres no futebol”, mas sobre a questão das mulheres na sociedade, já que a desvantagem social geral das mulheres só se reflete no futebol. Jürgen Griesbeck enfatizou outros aspectos do futebol, como a tranquilidade do jogo, a promoção da construção de confiança e o foco em um objetivo comum. Ao mesmo tempo, ele criticou o fato de que muitas empresas não teriam esse objetivo comum, por exemplo, no que diz respeito ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Em sua opinião, as taxas de transferência extremamente altas também levam a uma redução na humanidade dos jogadores (principalmente do sexo masculino), com o foco em seu valor econômico. Em sua iniciativa “Common Goal”, ele está, portanto, comprometido com a responsabilidade social dos jogadores de futebol.
Antonio Leal aproveitou a oportunidade para chamar a atenção para outras desigualdades sociais vigentes no Brasil. Ele criticou o fato de novos estádios de futebol terem sido construídos como parte da Copa do Mundo de 2014, embora muitas das maiores arenas do mundo já existam no Brasil e relatou a agitação contra os megaprojetos subsidiados. As manifestações pediram educação, saúde e seguridade social de acordo com os “padrões da FIFA” e chamaram a atenção para o absurdo das somas investidas. Leal também comentou sobre a falta de um estado de direito no contexto brasileiro e, nesse contexto, mostrou uma foto em grande escala da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, assassinada em março de 2018. Esse caso emblemático não foi esclarecido até o momento. A impunidade por crimes de direitos humanos mostra claramente como a discussão sobre futebol pode assumir um caráter social e altamente político.
Que formas de jogo de bola existiam antes da “chegada” do futebol europeu na América Latina? Como eles se desenvolveram ao longo do tempo? Em particular, os palestrantes do painel abordaram essas questões Jogos de bola e afiliações no longe dureé, bem como a exposição fotográfica “Pelota Mixteca in California”, inaugurada anteriormente, por Leopoldo Peña e Martin Berger.
A exposição fotográfica apresentou de forma impressionante a condução de esportes com bola indígenas mexicanos por imigrantes de Oaxaca para sua nova casa na década de 1980, que é disputada principalmente em Fresno, Los Angeles, Oxnard, San José e San Diego. Também mostra o importante papel que um esporte tradicional com bola no país de origem pode desempenhar na identidade dos migrantes.
Ramzy Barrois então falou de três esportes com bola antigos que podem ser comprovados por meio de iconografia e descobertas arqueológicas: Pelota Mixteca, Ulama e Pelota Tarasca. As apresentações dos outros palestrantes se concentraram em particular na história, fundamentos e desenvolvimento de Ulama (Manuel Aguilar Moreno) e Pelota Mixteca (Eric Taladoire e Martin Berger). A declaração de Martin Berger, comentada criticamente, de que a Pelota Mixteca, em sua forma atual, se distinguiu por se adaptar ao futebol europeu estabelecido colonialmente deu uma ideia da dissidência na determinação científica do desenvolvimento histórico desse antigo esporte com bola. A função atribuída a esses esportes ancestrais com bola é versátil: podem ser rituais sociais, políticos e religiosos, formas de resolução de conflitos ou o ponto de partida de festividades sociais. No mundo globalizado, reflete a interseccionalidade de vários níveis de identidade associados ao jogo de bola (afiliações/papéis regionais a transnacionais, étnicos, sociais e territoriais, etc.). Juliane Müller abordou o fato de que a introdução do futebol nas escolas indígenas da Bolívia andina, juntamente com o aspecto esportivo e comunitário, também ofereceu uma plataforma de resistência política e, assim, tornou visível a apropriação política específica do futebol. Os processos (parcialmente) interativos de desenvolvimento e apropriação dos esportes com bola ancestrais e do futebol europeu na América Latina foram e são, portanto, diversos e caracterizados por dinâmicas sociopolíticas, como Pablo Alabarces também enfatizou em seu discurso principal. Ele também demonstrou de forma impressionante que, ao contrário do que geralmente é retratado, não apenas jogadores da Inglaterra, Alemanha e Suíça estiveram envolvidos no desenvolvimento do futebol latino-americano, mas, acima de tudo, pioneiros latino-americanos.
No geral, as várias contribuições sobre os desenvolvimentos históricos do futebol abriram um quadro complexo das diferentes raízes do futebol na América Latina. Para muitos de nós, foi uma nova maneira de pensar o futebol não como um “ativo importado” das potências coloniais, mas como um esporte que se desenvolveu em muitos lugares a partir e em interação com a sociedade latino-americana.
Os tópicos de racismo e gênero foram abordados em particular no que diz respeito à representação na mídia e durante o painel sobre gênero e poder.
Sharun Gonzales encontrou as palavras mais claras sobre racismo, principalmente na imprensa esportiva. Em sua contribuição, ela se referiu à sua própria pesquisa sobre a representação do racismo e dos estereótipos na imprensa esportiva peruana. Ela apenas enfatizou o futebol como uma plataforma de discriminação na qual estereótipos e terminologias racistas são espalhados e enfatizou a dinâmica multidimensional do futebol. Ela explicou de forma impressionante o paradoxo de muitas pessoas no Perú pensarem que não há racismo, mas, por outro lado, que a imprensa está cheia de declarações racistas. Gonzales também enfatizou repetidamente que o racismo é um fenômeno global e, portanto, está na agenda de todos os países do mundo e não está vinculado a locais ou condições sócio-políticas. Por um lado, ela vê a causa na ignorância do que o racismo realmente significa. Além disso, muitos preferem “culpar” os outros do que a si mesmos e, assim, negar a responsabilidade moral. Ela concluiu sua contribuição com a pergunta aberta: “As categorias racistas são realmente necessárias para curtir o futebol?” Nesse sentido, Antonio Leal mencionou que o futebol (re) produz vencedores e perdedores na sociedade. As afiliações seriam determinadas em particular com base em certas imagens de homens, corpos ou mesmo na cor da pele dos jogadores. Com esse argumento, ele se opôs à posição de entender esse esporte (exclusivamente) como um instrumento coletivo de promoção e criação de identidade. Pablo Alabarces acrescentou que os jogadores (afro-brasileiros) como 'monitores'(em alemão: macaco) foram chamados. No entanto, essas declarações racistas não iniciaram um clamor de horror ou um exame crítico desse discurso em nível social, mas significaram que os jogadores afro-brasileiros não deveriam mais ser eleitos para a seleção nacional. Exemplos como esses mostraram as profundas raízes sociais do fenômeno do racismo, que se reflete no futebol de uma forma muito pronunciada e legítima.
A questão da discriminação também foi abordada no painel sobre gênero e poder, no qual os homens na platéia representaram excepcionalmente a minoria. Carmen Rial explicou os mecanismos do futebol da seguinte forma: Em particular, a heterogeneidade de gênero e, como resultado, um certo grau de controle sobre os sexos são exercidos por meio do futebol. Isso se reflete na visão generalizada de que os estádios de futebol são muito perigosos para as mulheres ou que o futebol é visto como um espaço reservado para homens. Ele é frequentemente associado a questões “sérias”, muitas vezes políticas — tópicos para os quais as mulheres não estão à altura. Como resultado, muitas mulheres teriam internalizado para não gostar de futebol. Além disso, Rial explicou que a questão do 'futebol feminino' (em alemão: futebol feminino) foi ignorada pelas feministas no Brasil por muito tempo, embora o futebol tenha desempenhado um papel central na sociedade brasileira. Em sua apresentação, ela culpou a distância social entre jogadoras de futebol, mulheres afro-brasileiras socialmente mais fracas e feministas brasileiras brancas residentes em esferas intelectuais. A interseccionalidade entre “classes” e afiliação à cor da pele ao lidar com o futebol feminino em um contexto brasileiro também foi ilustrada neste ponto. Além disso, os salários muito mais baixos dos jogadores de futebol foram problematizados, o que não é apenas uma expressão da desvalorização das mulheres como jogadoras de futebol, mas também revela componentes racistas.
Gabriela Ardila Biela abordou esses tópicos e explicou que o esporte tinha um significado próprio para as mulheres. Durante o esporte, as mulheres eram aconselhadas a usá-lo para sua beleza e proteger seus corpos de lesões, de modo a não comprometer a capacidade de reprodução do corpo. Essa interpretação do esporte para mulheres também teria tornado desnecessária a proibição total das mulheres, pois estabeleceu limitações sociais que dificultavam o acesso das mulheres ao futebol. Embora as mulheres na Colômbia já jogassem futebol por 40 anos e fizessem campanha pela profissionalização do futebol feminino, isso só aconteceu em 2017. O reconhecimento social do futebol como “masculino” dificultou a luta pelo reconhecimento do futebol feminino. Como há uma influência legal nas práticas esportivas na Colômbia, fica claro que o estabelecimento do futebol feminino também é uma questão social e política. Além disso, este e outros painéis enfatizaram que, apesar de muitos avanços, como a profissionalização do futebol feminino e a existência de vários times de futebol feminino de muito sucesso, os desafios também persistiram. O pagamento de bônus altamente desiguais a jogadores de futebol masculinos e femininos, as diferenças de popularidade na sociedade e também na cobertura da mídia são apenas alguns exemplos das dificuldades atuais que moldam o fenômeno do futebol e as questões de gênero relacionadas.